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26 de Abril de 2024

Sistemas Processuais Penais e o Princípio do Juiz Natural

Publicado por Rayara Dornelas
há 4 anos

INTRODUÇÃO:

Este trabalho tem como tema a demonstração das principais características dos sistemas processuais penais e a correlação destes com o princípio do juiz natural. Apresentou-se o posicionamento da doutrina brasileira sobre a classificação do sistema processual penal brasileiro. Por fim, restou constatado que, embora a Constituição tenha consagrado o princípio acusatório, no que tange a separação de funções, o nosso sistema processual penal foi e continua sendo inquisitivo, pois a gestão da prova se encontra nas mãos do juiz.

DESENVOLVIMENTO:

Sabe-se que no método acusatório existe a presença de três personagens, quais sejam: o juiz, que é o órgão imparcial a ser provocado; o autor que é responsável pela acusação, e o réu, que não é visto como mero objeto do processo, exercendo deste modo, seus direitos e garantias.

Dessa forma, no sistema acusatório o juiz exerce a função de um órgão imparcial, ele deixa de reunir em suas mãos as três funções, manifestando-se, apenas, quando devidamente provocado, sendo alheio ao trabalho de investigação e passivo no que se refere a colheita da prova, garantindo-se, desse modo, a imparcialidade do julgador, que é a preocupação maior do principio do juiz natural.

Correlacionando o método acusatório com o principio do juiz natural, a principal característica que podemos destacar é a característica do actum trium personarum, ou seja, três sujeitos distintos, exercendo três funções distintas.

Conforme Aury Lopes Junior, no modelo acusatório, o juiz se limita a decidir, deixando a interposição de solicitações e o recolhimento do material àqueles que perseguem interesses opostos, isto é, as partes.

O sistema acusatório assegura a imparcialidade e a tranquilidade psicológica do juiz que irá sentenciar, garantido a dignidade do acusado. Também conduz a uma maior tranquilidade social, pois evita-se eventuais abusos de prepotência estatal que se pode manifestar na figura de um juiz apaixonado pelo resultado de sua labor investigadora e que, ao sentenciar, olvida-se dos princípios básicos da justiça, pois tratou o suspeito como condenado desde o inicio da investigação.

O sistema processual penal inquisitivo surgiu nos regimes monárquicos e se aperfeiçoou no direito canônico, passando a ser adotado em quase todas as legislações europeias dos séculos XVI, XVII e XVIII.

Correlacionando o método inquisitório com o principio do juiz natural, podemos destacar algumas características deste método que inviabilizam a preocupação maior deste princípio que é a imparcialidade do órgão julgador, quais sejam: a concentração de funções na pessoa do juiz, com a iniciativa acusatória, a atuação de oficio e a gestão da prova, ambas concentradas nas mãos do juiz.

É notório que o sistema inquisitório muda completamente a fisionomia do processo. O que antes era um duelo leal entre acusador e acusado, com igualdade de poderes e oportunidade, se transforma em uma disputa desigual entre o juiz-inquisidor e o acusado.

Tem-se que neste método, diante do fato típico, o juiz procede de oficio, sem a necessidade de prévia invocação, recolhendo o material que entende necessário para formar o seu convencimento (atuação de oficio por parte do juiz).

Da mesma forma constata-se que aqui o juiz é livre para intervir, recolher e selecionar o material necessário para julgar, suprimindo a inatividade das partes, indiferentemente a qualquer vinculação legal (gestão da prova nas mãos do juiz).

Deste modo, é nítida a não efetivação do principio do juiz natural, visto que o juiz abandona sua posição de arbitro imparcial e assume a atividade de inquisidor, atuando desde o inicio também como acusador.

O método pós inquisitoriedade foi inaugurado com o Code d’Instruction Criminelle (Código de Processo Penal) francês, em 1808 e constitui-se pela junção dos dois modelos anteriores, tornando-se, assim, eminentemente bifásico.

Deste modo, o sistema pós inquisitoriedade é dividido em duas fases: a primeira, consistente na instrução preliminar, tocada pelo juiz e nitidamente inquisitiva; e a segunda, judicial, sendo a acusação feita por órgão distinto do que irá realizar o julgamento.

Correlacionando o método pós inquisitoriedade com o principio do juiz natural, a principal característica que podemos destacar é a característica da confusão entre as funções de acusar e de julgar, o juiz é tutor da acusação e exerce uma função acusatória supletiva.

Percebe-se que, nesse sistema, a imparcialidade do magistrado continuou comprometida, mantendo-se o juiz na colheita das provas antes mesmo da acusação, quando deveria este ser retirado da fase persecutória, entregando-se a mesma ao Ministério Público, que é quem deve controlar as diligências investigatórias realizadas pela polícia de atividade judiciária, ou, se necessário for, realizá-las pessoalmente, formando sua opinião e iniciando a ação penal.

Com relação ao sistema processual penal brasileiro, vários são os posicionamentos doutrinários acerca da sua classificação.

Para autores como Hélio Tornaghi e Edilson Bonfim, por exemplo, nosso sistema seria bifásico, e, por conseguinte, misto, considerando o Inquérito Policial, nitidamente inquisitivo, como fase preliminar do processo, seguida pela fase judicial, de caráter acusatório. Mirabette, Tourinho e Scarance, no entanto, refutam o entendimento que se baseia na teoria do processo bifásico para classificar o sistema processual penal como misto, por considerarem que a fase investigatória não é propriamente processual e sim de caráter eminentemente administrativo.

Para Paulo Rangel e Fernando Capez, o sistema processual penal brasileiro é acusatório devido o fato da posição adotada pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 129, inciso I, que dispõe ser atividade privativa do Ministério Público promover a ação penal pública, o que afastaria qualquer possibilidade de persecução pelo órgão julgador.

Não se nega, no entanto, a impureza do sistema brasileiro, considerando que resquícios do sistema inquisitivo ainda permeiam a lei processual penal do país.

Para Aury Lopes Jr. e Jacinto Coutinho o núcleo do processo penal está na gestão da prova, já que a finalidade deste seria reconstituir o crime como um fato histórico que é, o que só é possível com as provas trazidas aos autos, que levam à verdade processual, corroborando ou não com os fatos narrados.

Destarte, a diferenciação destes dois sistemas processuais [Acusatório e Inquisitório] faz-se através de tais princípios unificadores [dispositivo e inquisitivo], determinados pelo critério de gestão da prova. Ora, se o processo tem por finalidade, entre outras, a reconstituição de um fato pretérito, o crime, mormente através da instrução probatória, a gestão da prova, na forma pela qual ela é realizada, identifica o princípio unificador.

Aury Lopes Jr. não nega a importância da separação das funções de julgar, defender e acusar, mas a considera um elemento secundário (assim como a oralidade, a publicidade, o livre convencimento motivado etc.), não sendo por si só suficiente para a adequação do modelo acusatório.

Apontada pela doutrina como fator crucial na distinção dos sistemas, a divisão entre as funções de investigar-acusar-julgar é uma importante característica do sistema acusatório, mas não é a única e tampouco pode, por si só, ser um critério determinante, quando não vier aliada a outras (como iniciativa probatória, publicidade, contraditório, oralidade, igualdade de oportunidades etc.).

Assim, para Aury Lopes Jr. e Jacinto Coutinho, diante dos dispositivos que atribuem poderes instrutórios ao juiz, o sistema processual penal brasileiro não seria misto e muito menos acusatório, mas sim essencialmente inquisitivo, vejamos: “[...] pode-se concluir que o sistema processual penal brasileiro é, na essência, inquisitório, porque regido pelo princípio inquisitivo, já que a gestão da prova está, primordialmente, nas mãos do juiz, o que é imprescindível para a compreensão do Direito Processual Penal vigente no Brasil”.

CONCLUSÃO:

É certo que no Brasil, a Constituição Federal preceitua a adoção do sistema acusatório, pois consagrou-se o Estado Democrático de Direito e concedeu-se ao Ministério Público (privativamente) a titularidade da ação penal pública. Entretanto, não basta que a Constituição Federal consagre o sistema processual brasileiro como acusatório, quando existem em nosso código de processo penal diversos resquícios inquisitórios que contradizem o referido princípio constitucional. A separação das funções no processo é insuficiente, devendo-se impedir que o juiz assuma uma postura ativa na busca da prova e proceda atos tipicamente acusatórios.

São inúmeros os exemplos verificados em nosso código de processo penal e em leis especiais que desconfiguram o sistema acusatório. Como por exemplo: permitir que o juiz de oficio determine uma prisão preventiva (art. 311), uma busca e apreensão (art. 242), o sequestro (art. 127), ouça testemunhas alem das indicadas (art. 196), determine diligencias de oficio (art. 156), reconheça agravantes ainda que não tenham sido alegadas (art. 385), condene ainda que o Ministério Público tenha postulado a absolvição (art. 385), dentre outros.

Observa- se que o núcleo fundante do sistema brasileiro é inquisitivo, pois não obstante a consagração da separação das funções, a gestão da prova está nas mãos do juiz, juntamente com diversas atuações que podem ser tomadas ex officio.

Assim, a nova redação do art. 156 do CPP reafirma o principio inquisitivo no sistema brasileiro de maneira nítida, quando aduz que: “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I - ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II - determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante”.

Diante dessa afirmação do principio inquisitivo, o nosso sistema processual penal foi e continua sendo inquisitivo, pois a gestão da prova esta nas mãos do juiz, embora a Constituição tenha consagrado o princípio acusatório, no que tange a separação de funções.

REFERÊNCIAS:

LOPES JÚNIOR, Aury Celso Lima. Direito processual penal. 12ª Ed. – Rio de Janeiro: Saraiva, 2015.

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